O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) regulamentou o procedimento de entrega voluntária da criança para adoção pela gestante. A entrega voluntária não é crime, ao contrário do abandono, como previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente.
A vontade da mulher ou do homem trans pode ser expressada durante a gestação, em consultas de pré-natal; em hospitais, no momento do parto ou em unidades de assistência social ou de atenção à saúde.
A regulamentação foi feita através do Provimento Conjunto nº 01/2022, que foi assinado pelos desembargadores José Alfredo Cerqueira da Silva e Osvaldo de Almeida Bomfim, corregedor Geral de Justiça e corregedor das Comarcas do Interior, respectivamente, no início deste mês de janeiro.
Segundo o ato, a gestante que manifestar vontade de entregar seu futuro filho para adoção deverá ser encaminhada às varas da Infância e da Juventude para atendimento inicial nos respectivos setores técnicos.
EXPERIÊNCIA DA DEFENSORIA PÚBLICA EM CAMAÇARI
Muito antes do provimento do TJ regulamentar a entrega voluntária, a Defensoria Pública da Bahia (DP-BA) já experimentava algo parecido em Camaçari. O defensor público Marcus Cavalcanti, em sua atuação na cidade, percebeu que havia necessidade de se criar um protocolo de atendimento para mulheres ou homens trans que desejavam não exercer a maternidade, entregando voluntariamente os filhos para adoção.
A iniciativa surgiu diante da falta de equipe técnica especializada nas varas da infância do estado. “De modo geral, as varas da infância não têm equipe técnica formada por psicólogas e assistentes sociais para poder acolher essas gestantes e fazer escuta qualificada, orientar e acompanhar essas pessoas”, pontua. A iniciativa surgiu no final de 2019 e poderá ser estendida para todas as unidades da Defensoria Pública.
O defensor atendeu a primeira gestante com este protocolo no início de 2020, pouco antes do início da pandemia. “Através da assistência social e psicológica, acompanhamos a gestação dessa mulher que manifestou vontade de entregar o filho para adoção. Quando foi chegando o momento do parto, eu escrevi a petição que seria direcionado para a Justiça, para a entrega da criança”, conta.
Entretanto, devido ao trabalho desenvolvido ao longo da gestação, a história teve outro final: ao dar à luz, a mãe desistiu de entregar o filho para adoção. E essa história se repetiu em mais quatro casos que o defensor atuou desde a instituição do projeto.
Marcus Cavalcanti avalia alguns fatores que levam a mulher a manifestar o desejo de entregar o filho para adoção voluntariamente: “Em todos os casos que atendi havia o fator pobreza. Mas nunca é somente a pobreza. É ela associada a outros fatores, como a ausência do pai biológico da criança, que não quer reconhecer a paternidade, é a falta de apoio familiar, conflitos familiares, violência doméstica, por exemplo”.
Foto: divulgação
Em casos de abandono, muitas vezes, o desespero daquela mãe está presente por não saber que pode fazer a entrega voluntária do bebê, pontua o defensor.
“Eu percebi que elas foram construindo a ideia da entrega voluntária durante a gestação, com acompanhamento da psicóloga e da assistente social. Entretanto, na medida em que a gestação foi evoluindo e foi se aproximando da hora do parto, houve uma mudança de ideia. Em um desses casos, a petição já estava pronta para ser apresentada à Justiça quando houve a desistência”.
O defensor pontua que há outros fatores para além dos hormônios: a sensação de amparo. “Muitas delas também acabaram encontrando apoio na comunidade, na vizinhança, tiveram acesso a serviços sociais, apoio do município, acesso a políticas públicas através de nosso atendimento”, conta.
Fonte: voz da Bahia