Os olhos marejados, voltados à tela do celular, parecem incrédulos. Embora apresente a cena que o motorista Gidauto Cerqueira, 47 anos, teve a infelicidade de ver ao vivo, a imagem a ser observada no aparelho traz à tona uma dor que, garante, vai carregar para sempre: a filha, uma adolescente de 16 anos, morta sobre um colchão estendido no quarto do ex-namorado, André de Souza Santana, 32, apontado pela Polícia Civil como o principal suspeito do feminicídio.
Estudante do 7º ano de uma escola estadual em Brotas, Gislane Luiza Herval Cerqueira foi encontrada sem vida no início da tarde dessa segunda-feira (26), no bairro de São Cristóvão, em Salvador. Por meio de nota, a Polícia Militar informou que foi até o local, uma casa na Avenida Aliomar Baleeiro, após a denúncia de que havia uma mulher morta por espancamento. Ao chegar, encontraram a estudante morta e isolaram a área.
O pai mostrou à reportagem, na manhã desta terça-feira (27), a foto que fez do corpo momentos depois de periciado pelo Departamento de Polícia Técnica (DPT). Na imagem, Gislane aparece vestida e com o rosto aparentemente roxo, mas sem aparentes marcas de violência. A temperatura da filha, lembra Gidauto, é que o alertou para o fato de que a estudante “tinha ido embora para nunca mais voltar”.
“Minha filha foi assassinada às 14h, eu só soube do fato às 17h e cheguei lá perto de 18h, o que explica isso? Fui recebido por uma mulher que dizia ser enfermeira e o cunhado do assassino, em uma casa onde havia um idoso de cama, pai dele. Ela foi encontrar com ele pra morrer. Foi atraída pra lá, e agora eu não tenho mais o que fazer, ele tirou um pedaço de mim”, relatou, na manhã desta terça, enquanto aguardava a liberação do corpo no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR).
Dos pontos que levam a crer no ex-genro como o algoz da filha, o mais forte, aponta o motorista, é o fato de Gislane ter sido morta no quarto da casa do pai de André, a quem Gidauto se refere como uma pessoa “que nunca ofereceu qualquer perspectiva de vida à adolescente”. A segunda evidência, nas palavras do pai, é o tempo do término, 20 dias, de uma relação que se estendia – contra a vontade da família da menina – há quase três anos.
Por meio da assessoria, a Polícia Civil reforçou a suspeita da família e disse que o pedido de prisão do suspeito será encaminhado à Justiça. O feminicídio está sob a investigação da 1ª Delegacia de Homicídios (DH/Atlântico), onde já foram ouvidos familiares e outras testemunhas, de acordo com a pasta.
‘Fizemos de tudo’
O pai da vítima enumerou os motivos pelos quais, para ele, a relação do ex-casal “era um erro”. André, segundo Gidauto, é usuário de drogas e não trabalha desde que se aproximou da adolescente, quando ele tinha 29 anos. Vizinho do motorista, no bairro de Praia Grande, no Subúrbio Ferroviário da capital, o suspeito nunca pediu permissão para namorar Gislane, então com 14 anos.
“Nunca gostei, antes do envolvimento com minha menina, fui contra ele. Fizemos de tudo, eu e a mãe dela, para impedir a aproximação. Criei ela desde a separação, quando minha filha era uma criança, mas abri mão da guarda para a mãe, há dois anos, justamente para afastar os dois. Não deu certo e agora acabou tudo”, lamenta, ao revelar que a menina chegou a largar a escola e passar seis meses com André no município de Catu, na Região Metropolitana, onde vive um familiar dele.
Durante o período, entre dezembro de 2018 e maio deste ano, a adolescente, que atualmente morava na região do Largo do Tanque com a mãe, de quem era a caçula entre duas filhas, sequer dava notícias à família. Gidauto, contudo, não soube informar os motivos pelos quais a menina decidiu terminar o relacionamento e se havia uma histórico de agressão por parte de André.
“Tentava não ter tanto contato com ele, mas quando a mãe dela me ligava para fazer alguma queixa, isso quando estavam sob as vistas dela [o casal morou alguns meses com a mãe da vítima], eu ligava e pedia para colocarem no viva-voz, ele não dizia nada. Ele é um malandro, que matou minha filha e eu tenho certeza que não agiu sozinho”.
O motorista se refere à vítima, terceira dos cinco filhos, como uma menina “guerreira”, que, defende ele, teria “lutado para não morrer” em caso de estrangulamento – causa de morte preliminarmente apontada pela Polícia Civil. O fato de não haver sequer um arranhão, garante o pai, em toda extensão do corpo franzino da jovem, pode ser um indicativo de que ela “foi dopada”. A reportagem procurou o DPT para questionar o laudo preliminar, mas ainda não obteve retorno.
Fuga
Quando saiu da casa da mãe, na manhã de segunda (26), Gislane disse apenas que ia à casa de uma amiga, sem mencionar o bairro. Pai e mãe não sabem por qual meio ela e André se comunicaram para marcar o encontro, que Gidauto acredita ter sido previamente “marcado na condição de uma conversa”.
Como o celular da menina não foi encontrado na casa do pai do ex-genro, o pai da vítima acredita que o suspeito tenha fugido com o celular da filha, além do cartão de crédito – dois dos pertences que ele afirma ter sentido falta. “Eu só encontrei uma sacola de roupa lá, porque ela iria para minha casa depois, ficar comigo”, pontua.
A informação de que a jovem estava morta foi, inicialmente, passada ao cunhado de André, pelo próprio suspeito. “A mãe de Gislane me ligou e disse que o cunhado dele falou para ela: ‘Sua filha está morta. André me ligou do número dela e disse que havia feito uma besteira’”, acrescenta.
“Essa história é toda tão estranha. A família dele é muito suspeita. Eu fico tentando entender o porquê da demora de avisar a mim e à mãe dela, não sei se ficaram lá essas horas tentando reanimar a menina. A mãe de André mora em São Paulo e já está aqui, é tudo muito estranho”, diz o motorista, que levanta a hipótese do suspeito ter fugido para São Paulo ou Catu.
Entre as surpresas e mistérios que permeiam a vida do suspeito, o pai de Gislane acrescentou uma informação a qual só teve acesso no momento em que foi até a cena do crime: o ex-genro é pai de um menino de 9 anos. Se a filha sabia da criança, no entanto, o motorista não arriscou afirmar.
Num cenário onde não há mais nada que possa fazer, lamenta Gidauto, resta manter-se firme para o enterro da filha, marcado para a tarde de hoje, no Cemitério Vale da Saudade, em Candeias. Após o último adeus, conta que terá a “missão de cobrar da Justiça” o que descreve como a única coisa capaz de diminuir a dor da perda: a prisão de André.