Levantamento da Frente Nacional de Consumidores de Energia comprova com números uma percepção antiga no setor: entre as grandes hidrelétricas do país, o custo de geração da usina binacional de Itaipu é o que mais pesa no bolso dos brasileiros.
No ano passado, a tarifa da usina para as 31 distribuidoras que são obrigadas a comprar a sua energia ficou em R$ 294 pelo MWh (megawatt-hora). O valor supera de longe o praticado por oito outras grandes hidrelétricas que são comparáveis a Itaipu —já pagaram os custos de construção e instalação, têm ganhos de escala, produziram acima de 5 milhões de MWh e podem oferecer valores menores.
Na média, o MWh desse grupo custou R$ 101,78. Ou seja, nesse recorte, o preço de Itaipu é quase o triplo. A energia da usina custou praticamente o dobro do valor da mais cara desse grupo, a hidrelétrica de Ilha Solteira, cuja tarifa ficou em R$ 148 no ano passado. Em relação ao valor de Xingó, a mais barata, com tarifa de R$ 56, Itaipu custou cinco vezes mais.
Pela lógica econômica, na avaliação da Frente, a tarifa de Itaipu para as distribuidoras tinha de ser equivalente à praticada pelas hidrelétricas mais antigas, como Furnas e Itaparica, cuja tarifa no ano passado ficou, respectivamente, em R$ 65 e R$ 70.
O que mais chama a atenção é que o valor da energia de Itaipu supera até o das três jovens hidrelétricas da região Norte, que ainda não amortizaram custos de implantação (veja quadro ao lado).
Em 2023, a tarifa de Itaipu na usina, chamada de Cuse (Custo Unitário dos Serviços de Eletricidade), foi de US$ 16,71 kW/mês (R$ 85,52 pelo quilowatt por mês). Para ser praticado no mercado brasileiro, porém, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) soma anualmente outros custos de Itaipu pagos pelos brasileiros. No ano passado, esse valor final foi de R$ 235,70 pelo pelo MWh.
Para comparação, a Frente adicionou o custo de conexão ao sistema, que está embutido em todas as tarifas de hidrelétricas repassadas às distribuidoras, chegando aos R$ 294.
Para selecionar as oito usinas, o levantamento avaliou a tarifa de 59 hidrelétricas que operam pela sistemática de cotas para o chamado mercado cativo, que fornece energia para famílias, bem como para pequenas e médias empresas ligadas à baixa tensão. Segundo a Aneel, a tarifa média desse grupo foi de R$ 153 por MWh no ciclo 2023/2024 —também bem abaixo de Itaipu.
Especialistas do setor afirmam que essa diferença de preço não tem razões técnicas, mas politicas. À medida que o custo da dívida para a construção de Itaipu foi caindo, até zerar em 2023, os governos de Brasil e Paraguai elevaram a transferência de recursos do caixa da hidrelétrica para bancar investimentos públicos dos dois lados da fronteira por meio da oferta de projetos socioambientais e obras.
“O levantamento foi feito a partir de dados da agência do setor de energia elétrica e, por isso, traz números comparativos”, afirma Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional de Consumidores de Energia.
“Essa comparação deixa claro que Itaipu tem ineficiências aumentando a sua tarifa — ineficiências na gestão e no uso dos recursos da exploração de energia, que estão sendo dirigidos para outros fins.”
Os projetos socioambientais e as obras são contabilizados na despesa de exploração, como parte da operação da usina, e a cifra destinada a eles em 2022 e 2023 soma US$ 800 milhões, pelas estimativas.”Ainda estamos aguardando os resultados de Itaipu para o terceiro trimestre de 2023, que consolida o ano, mas a perspectiva é de um aumento expressivo”, afirma Ângela Gomes, que acompanha o tema na PSR, consultoria especializada no setor de energia.
Brasil e Paraguai travam agora uma queda de braço em torno dessa despesa para 2024.
O novo governo paraguaio de Santiago Peña insiste em receber mais dinheiro, o que pressupõe elevar a tarifa do lado de cá da fronteira. Os brasileiros bancam 85% da compra de energia de Itaipu. O governo Lula, preocupado com o efeito do aumento da conta sobre a sua popularidade, quer manter o valor de 2023.
Na prática, no entanto, manter já significaria aumentar em cerca de US$ 275 milhões os recursos para projetos socioambientais. Esse foi o valor reservado no orçamento de 2023 para quitar as parcelas finais da dívida pela construção —o custo não existe mais no orçamento de 2024.
A distribuição dos projetos socioambientais é desigual. No Paraguai, atendem todo o país. No Brasil, são obrigados a pagar pela energia de Itaipu moradores de SP, RJ, MG, ES, MT, MS, GO, PR, SC e RS. No entanto, os projetos atendem exclusivamente PR e 35 cidades de MS. Os especialistas asseguram que, pelo seu porte, Itaipu deveria ser destaque entre as mais baratas.
A binacional já foi a maior hidrelétrica do mundo. Hoje, é a terceira. No Brasil, não há usina que se equipare a ela. É a maior em potência instalada, 14.000 MW. De longe, também, é a maior em geração de energia. Em 2023, foram quase 84 milhões de MWh.
“Hidrelétricas têm estruturas técnicas idênticas: a água passa por turbinas e gera energia”, explica Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
“Mas a grande usina tem uma coisa chamada economia de escala: o valor unitário do investimento é menor, e a tarifa também. A tarifa de Itaipu deveria muito menor.”
As ineficiências também aparecem em estudo do Departamento de Infraestrutura da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
O trabalho destaca que os custos de Itaipu superam, em muito, os de grandes usinas privadas com porte mais próximos da binacional. As despesas operacionais de Itaipu em 2022, por exemplo, foram de R$ 5,3 bilhões, ante R$ 309 milhões em Santo Antônio e R$ 133 milhões em Belo Monte.
Itaipu é muito maior, e a sua estrutura funcional é duplicada. Se há um diretor brasileiro para cuidar da geração de energia, precisa ter outro paraguaio. Ainda assim, o número de trabalhadores destoa. Enquanto Itaipu tinha 2.845 funcionários ao final de 2022, Santo Antônio contava com 368, e Belo Monte, com 363.
O gasto com pessoal em Itaipu naquele ano foi da ordem de R$ 2,5 bilhões. As privadas gastaram uma fração disso: Santo Antônio, R$ 76 milhões, e Belo Monte, R$ 50,9 milhões.
Também chama a atenção o item “outros” das despesas operacionais. Em Santo Antônio, custou R$ 77,6 milhões, em Belo Monte, R$ 15,9 milhões. Em Itaipu, a cifra foi de R$ 2,1 bilhões. Segundo a Fiesp, é aí que entram os gastos com projeto socioambientais, reforçando a leitura de que fazer política pública com dinheiro da conta de luz está distorcendo a tarifa de Itaipu.
“A Fiesp sabe que o valor não cairá na canetada, pois isso depende de negociação bilateral”, diz Julio Raimundo, diretor da Fiesp. “Mas a federação entende que há espaço substancial para redução da tarifa.”
PROJETOS GERAM DESENVOLVIMENTO E BEM-ESTAR, DIZ USINA
Procurada pela Folha de S.Paulo, a assessoria de imprensa respondeu que Itaipu não se pronunciaria sobre o levantamento, uma vez que não teve acesso ao conteúdo, mas destacou que a capacidade de produção da Itaipu Binacional não tem paralelo. Já gerou 3 bilhões de MWh, quantidade de energia suficiente para abastecer o mundo por 43 dias, volume que não foi superado por outra usina.
“As virtudes de Itaipu Binacional recomendam prudência na realização de comparações, porquanto inexiste outra usina no mundo com características semelhantes”, afirmou a nota. “Ainda assim, Itaipu apresenta preço altamente vantajoso para o consumidor brasileiro, contribuindo para a modicidade tarifária.”
A nota destacou ainda que a tarifa é definida anualmente por consenso entre Brasil e Paraguai dentro de critérios preestabelecidos e com a missão de oferecer energia elétrica de “qualidade com responsabilidade social e ambiental”.
Dentro dessa perspectiva, os projetos socioambientais representam investimentos no desenvolvimento sustentável dos dois países, fazendo com a usina “gere mais que energia: gera bem-estar e desenvolvimento para as sociedades brasileira e paraguaia”.
Bahia Notícias