Mais de 80 pessoas lotaram na quarta-feira (10) a Sala de Seções no 3º andar do Ministério Público do Estado, todas com a mesma dúvida: qual será o verdadeiro destino do Hospital Espanhol.
Acabaram com tudo” – foi um dos muitos comentários que se ouvia antes da reunião começar, nas conversas entre médicos, funcionários, entidades de classe, diretores do hospital, representantes do estado e do município que estavam presentes. A reversão para o estado terminal do Hospital Espanhol já tem diagnóstico: crédito.
Por isso, a Real Sociedade Espanhola de Beneficência, dona da unidade, levou ao MP a necessidade de novos empréstimos – para o pagamento dos honorários dos médicos -, o recebimento dos valores residuais das secretarias de Saúde do município e do estado – estimado em R$ 2,5 milhões, no total -, e suspensão de pagamento em 120 dias das prestações devidas aos bancos credores.
“Acredito que assim o hospital tenha condições de se recuperar”, defendeu o presidente do Espanhol, Demétrio Garcia.

(Foto: Marina Silva)
UTI
A Caixa Econômica Federal e a Agência de Fomento do Estado da Bahia (Desenbahia) pediram prazo de 30 dias para avaliar a moratória das parcelas. O superintendente do Banco do Nordeste na Bahia, Jorge Bagdêve, assegurou que já existe uma linha de crédito pré-aprovada para o Hospital Espanhol.
No entanto, ela depende do cumprimento de algumas condicionantes para a renegociação da dívida e liberação do empréstimo. Dentre elas, a certidão de quitação do FGTS dos funcionários. “A proposta já está aprovada. Estamos só aguardando que o hospital cumpra com esta prerrogativa que não podemos abrir mão”, garantiu.
Dedo na ferida
No entanto, diversos funcionários do hospital, que não quiseram se identificar, alegaram atrasos nos pagamentos de maio, junho, julho e agosto. Alguns estão com até 5 anos de FGTS atrasados. O médico Manuel João contou que foi demitido com a justificativa de que o hospital estaria precisando “economizar”. “Desde 2012 que eu não recebo um centavo dos transplantes que fiz”.
Ao final da reunião, a promotora de justiça Kárita Cardim recomendou que os quatro pacientes que ainda permanecem internados no Espanhol e mais os 50 pacientes renais sejam transferidos até o dia 30 de setembro para outras unidades de saúde e que os bancos apresentem em até 30 dias as decisões relativas à renegociação e para a liberação de crédito.
Quando questionado se haveria a possibilidade de venda do Espanhol, Demétrio Garcia foi taxativo: “A intervenção do estado está fora de cogitação. Podemos terceirizá-lo para outros grupos de saúde. A nossa maior preocupação agora é transferir os pacientes e aguardar por estas soluções”.
Crise se arrastou e cronificou nos últimos anos
Em mais de um século de existência, o Hospital Espanhol vivenciou crises, no entanto, nenhuma tão significativa quanto a iniciada em 2012 e que prossegue até hoje. Para sanar dívidas com fornecedores e colaboradores, a instituição hipotecou o prédio do novo Centro Médico à Caixa Econômica Federal.
No final de 2013, a unidade fez mais uma tentativa de sanar as finanças com a demissão de mais de 800 funcionários. Em 2013, mais uma tentativa de salvar o Espanhol ocorreu, dessa vez por meio de um acordo com o Estado, através da Agência de Fomento do Estado da Bahia (Desenbahia), e com a Caixa Econômica Federal.
Foi traçado um plano de reestruturação financeira que teria a colaboração da Fundação José Silveira. Do montante de R$ 107,6 milhões, o hospital recebeu R$ 82 milhões. A Caixa não liberou o recurso final em virtude de o hospital não ter acatado a exigência de contratar uma gestão profissionalizada e independente.
De acordo com dados apurados pelo Conselho Federal de Medicina junto ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos em Saúde (CNES), quase 13 mil leitos foram desativados em toda a rede pública do Brasil, entre janeiro de 2010 e julho de 2013. O número reduziu de 361 mil para 348 mil leitos.
“A população está a cada dia com mais dificuldade na assistência médica devido à falta de apoio governamental e da sua má gestão dos recursos públicos”, diz Otávio Marambaia, membro do Cremeb.
Renais crônicos lamentam fechamento de unidade
Após o anúncio de fechamento, o movimento de pacientes no Hospital Espanhol ficou ainda menor ontem. A redução no quadro funcional restringiu também o número de atendimentos que ainda estão sendo feitos no Centro Médico.
Até quem foi retirar exames encontrou dificuldade. “Esse resultado devia ter sido liberado há 15 dias, já vim aqui duas vezes e nunca tem ninguém que possa me ajudar”, reclamou o contador Manuel Santos.
Mesmo com as próximas sessões de hemodiálise asseguradas para a esposa, o aposentado Edvaldo Sales saiu preocupado com o futuro do tratamento de Maria do Rosário dos Santos, que se locomove em uma cadeira de rodas.
“Estamos aguardando a transferência para um novo local, não sabemos do futuro, minha preocupação é o transporte dela, pois moramos em Paripe e aqui pelo menos tínhamos transporte direto”, explicou.
Para o presidente da Associação dos Renais Crônicos e Transplantados de Camaçari e Região, Natanael Alcântara de Oliveira, a situação é lamentável para os pacientes renais, pois a estrutura de atendimento, que já é pequena, ficará ainda mais deficitária.
“Em estados com uma área geográfica similar a da Bahia, como Minas Gerais, por exemplo, são 78 clínicas para atender o paciente renal crônico, aqui nós só temos 34”.