Em apenas seis dias, o Instituto Fogo Cruzado, maior banco de dados sobre violência armada da América do Sul, registrou oito tiroteios no bairro do Engenho Velho da Federação, em Salvador. Os episódios de violência deixaram dois mortos e dois feridos. São situações como essa que colocam a Bahia no quinto lugar na lista de piores estados em Segurança Pública do país, segundo o Ranking de Competitividade dos Estados, desenvolvido pelo Centro de Liderança Pública (CLP). Lideram o ranking: Amapá, Rondônia, Pernambuco e Roraima, nesta ordem.
Entre os 10 pilares temáticos que constituem o levantamento, o tema da Segurança Pública recebe o maior peso (12,7%). Dentro dele, 10 indicadores são avaliados: atuação do Sistema de Justiça Criminal, presos sem condenação, déficit carcerário, mortes a esclarecer, segurança pessoal, mortalidade no trânsito, segurança patrimonial, qualidade de informação de criminalidade, violência sexual e morbidade no trânsito.
A expansão das facções criminosas no estado e a articulação com grupos que atuam em todo o país são fatores que explicam a escalada da violência no estado nas últimas décadas, de acordo com Horacio Nelson Hastenreiter Filho, professor do Mestrado em Segurança Pública, Justiça e Cidadania da Universidade Federal da Bahia (Ufba). “A expansão se deu também a partir da interiorização na atuação dessas facções, fazendo com que não somente as cidades da Região Metropolitana estivessem entre as primeiras do ranking estadual de violência”, diz.
A prova disso é que, em 2022, quem liderou a lista de 50 cidade mais violentas do país, segundo a taxa de Morte Violentas, com população acima de 100 mil habitantes, foi a cidade de Jequié, no sul do estado. As cidades de Santo Antônio Jesus, Simões Filho e Camaçari formaram o top 4 da lista das 10 cidades mais violentas, que ainda contou com Feira de Santana (9ª colocação) e Juazeiro (10ª colocação).
A expansão das facções resulta no fator responsável pela maioria das mortes violentas no estado: a guerra entre facções. “A guerra de facções em um impacto muito grande no número de homicídios, já que parte importante das mortes violentas está relacionada à disputa por poder e território travada entre diferentes grupos criminosos”, afirma Horacio Nelson Hastenreiter Filho.
É justamente a disputa de território entre facções que desencadeou uma série de tiroteios no Engenho Velho da Federação, nos primeiros dias de 2024. Historicamente, o bairro é controlado pela facção Bonde do Maluco (BDM), mais especificamente na região conhecida como Lajinha. Na entrada do bairro, o Comando Vermelho (CV) domina a região do Forno e planeja expandir a área de atuação, o que teria ocasionado os episódios de violência.
O primeiro estado fora das regiões Norte e Nordeste a figurar no ranking das Unidades da Federação de homicídios per capta é o Espírito Santo na 11ª posição, o que evidencia um componente regional nas avaliações de expansão da criminalidade. “Certamente, há um componente regional importante, relacionado ao crescimento econômico desordenado das regiões e à falta de estrutura adequada nas polícias para o combate a um novo tipo de criminalidade que se instalou na região nas últimas décadas”, afirma o professor da Ufba.
Violência armada
Entre 1º de julho e 18 de dezembro de 2022, 626 pessoas foram baleadas em Salvador e Região Metropolitana, de acordo com dado do Fogo Cruzado. Em 2023, no mesmo período, o número foi de 971 pessoas, o que significa um aumento de 55% das vítimas. Muitos fatores explicam o aumento da violência armada no estado, no entanto, as políticas adotadas pelos governos estadual e federal seriam os principais. Isso é o que aponta a diretora executiva do Instituto Fogo Cruzado, Cecília Olliveira.
Dos episódios de violência armada identificados pela entidade, 38% ocorreram em situações de ação policial. Enquanto no Rio de Janeiro houve 27 chacinas policiais, com 111 mortos em 2023, em Salvador e Região Metropolitana foram registradas 33 chacinas policiais, com 133 mortos, no mesmo ano.
“O debate sobre letalidade policial é urgente na Bahia, que não por acaso tomou do Rio o posto de estado com mais mortos pela polícia. Facções agem em múltiplos estados – e internacionalmente – e pouco ou nada é feito de forma articulada para de fato enfrentar o problema. Não há como ter resultados diferentes apostando nas mesmas soluções”, afirma Cecília Olliveira.
Letalidade policial
De 2015 para 2022, a Bahia registrou um crescimento de 300% em mortes de vítimas por policiais do estado, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FPSP). O número saltou de 354 pessoas mortas por agentes de segurança para 1.465.
Com esse número, a Bahia passou a liderar o ranking de estados que registraram mais vítimas da letalidade policial, ultrapassando o Rio de Janeiro, que dominava a lista desde 2016 e registrou 135 a menos que o estado baiano em 2022. Ainda conforme a Rede de Observatórios da Segurança, responsável por acompanhar os dados de segurança de oito unidades federativas do Brasil, a polícia da Bahia mata quatro pessoas a cada 24h.
Para Dudu Ribeiro, coordenador da Rede Observatório na Bahia, políticas aliadas à ciência e coleta de dados devem ser adotadas para contornar o cenário de violência no estado. “É fundamental que a ciência dê um norte para opções de investimento do estado e que percebamos, ainda, que a letalidade policial é um problema de segurança pública do estado”, afirma.
A reportagem tentou contato com a Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA), via email, mas não havia respostas até o fechamento desta matéria. Foi questionado a avaliação da autarquia estadual sobre o levantado do CLP e quais medidas estão sendo empregadas para contornar o atual cenário de violência no estado.
Correio da Bahia