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domingo, 8 dezembro, 2024

Diretora da Escola Municipal Cosme de Farias cria ‘banco de absorventes’ para diminuir evasão escolar de meninas

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Por Camila São José

A diretora Edicleia Dias criou o banco de absorventes há dois anos. Foto: Camila São José

Garantir a permanência de alunos na escola é um dos maiores desafios da educação no Brasil. Em 2018, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 737 mil adolescentes com idade entre 15 e 17 anos abandonaram a escola ou estavam em atraso escolar.

Diversos são os fatores que influenciam diretamente na evasão. Como aponta a Síntese de Indicadores Sociais 2019, divulgada pelo IBGE, 11,8% dos jovens mais pobres tinham abandonado a escola sem concluir o ensino médio em 2018. Esse percentual é oito vezes maior que o dos jovens mais ricos (1,4%). A evasão dos adolescentes naquele ano atingia 9,2% no Nordeste.

E você já parou para pensar que a renda familiar pode impactar, por exemplo, na aquisição de materiais básicos de higiene? E que a falta deles pode impedir crianças e adolescentes de irem à escola?

Observando que em determinado período do mês algumas alunas não iam para as aulas e com o monitoramento da falta dessas meninas, a diretora da Escola Municipal Cosme de Farias, no bairro do Phoc I, em Camaçari, Edicleia Pereira Dias, decidiu montar um ‘banco de absorventes’.

Foto: Camila São José

“A gente começou a investigar com os familiares o que estava acontecendo, geralmente as famílias não abrem de cara, mas a própria aluna depois diz: ‘ah, foi porque eu fiquei menstruada’. Aí a gente vai para conversa: ‘mas por que você não veio assim mesmo? Tava sentindo cólica, estava doente?’. Até chegar na necessidade do absorvente demora um pouquinho, porque é uma questão de confiança você relatar para o outro uma fragilidade sua. E aí elas começam a dizer que não tem e eu informei para elas: ‘toda vez que você precisar do absorvente, você me pede que eu tenho para lhe dar’. Aí eu ficava pedindo aos funcionários, professor, todo mundo colabora”, conta Edicleia que trabalha na escola há 10 anos.

Além de deixar o absorvente disponível no colégio, a diretora também encaminha o material para que as alunas possam utilizar em casa.

Há dois anos o banco foi montado e neste tempo, a diretora pontua que o período de permanência na escola aumentou, já que a demonstração de acolhimento e a confiança com os professores foi consolidada. Anteriormente, a diretora Edicleia lembra que ficava sabendo da menstruação das meninas pelas colegas de sala e fazendo o ‘jogo da vergonha’, junto com elas, auxiliava na higiene e orientava quanto ao uso do absorvente.

“A percepção de quando elas estavam precisando era assim, primeiro de observar como elas estavam na escola, a retração, a timidez e depois uma vai falando para a outra […] Agora já virou comum, uma vem junto com a outra: ‘vem falar com Edicleia, Edicleia sempre tem'”.

A escola atende alunos do 6º ao 9º ano, com idade de 10 a 17 anos. Do total de estudantes, Edicleia afirma que 270 são meninas e desse montante, cerca de 30% vivem em situação de vulnerabilidade social. A condição de vida dessas garotas e a falta do absorvente, resulta em uma média de 40 a 50 faltas no ano letivo.

Segundo Edicleia Dias, o absorvente é apenas um paliativo e a discussão ultrapassa o uso do material. “Porque eu tenho que tornar as horas de permanência dessa menina, dessa adolescente aqui, a melhor possível para que ela tenha vontade de voltar, para que ela se sinta acolhida e diga assim: ‘naquele lugar eu posso contar com aquelas pessoas que estão ali, para o que eu necessitar’. Ele é um paliativo, mas a questão é muito mais séria. Você ter que escolher entre comprar um pão ou ter que comprar um desodorante. Você ter que comprar o leite e na hora da divisão do leite, você optar pelos mais novos, porque você adolescente pode aguentar a fome. Então, é nessa realidade que eu trabalho”, relata.

Na tentativa de combater a chamada pobreza menstrual, é que no Rio de Janeiro, por exemplo, a Câmara de Vereadores aprovou no dia 3 de junho a lei 6.603/2019, que prevê a distribuição gratuita de absorventes nas escolas da rede municipal. A lei ainda não foi sancionada pelo prefeito Marcelo Crivella.

Em Camaçari, outras pessoas se sensibilizaram e começaram a ajudar na iniciativa, a exemplo da bailarina Angela Cheirosa, que dá aula de dança do ventre na Escola Cosme de Farias. Através de um post publicado em suas redes sociais, a bailarina iniciou uma campanha de apoio ao ‘banco de absorventes’ criado pela diretora Edicleia. Desde então, algumas caixas e pacotes de absorvente já foram doados para as alunas do colégio.

“Angela tem uma grande experiência com pessoas em situação de vulnerabilidade, mas ela nunca tinha parado para pensar nessa necessidade específica. Porque quando a gente faz campanha para ajudar, a gente só pensa no quilo de alimento. E o material de higiene? Essas pessoas também tomam banho, lavam cabelo, usam desodorante e elas também menstruam. E se para uma menina com condição de vida razoável já é difícil, imagine para uma menina numa situação de pobreza extrema?”, comenta a educadora.

A Escola Municipal Cosme de Farias está aberta a doações tanto de absorventes como de materiais básicos de higiene. A unidade escolar está de recesso e retoma as atividades no dia 6 janeiro, a partir desta data é possível fazer a doação de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h.

Outras discussões

A necessidade do absorvente abriu espaço para outras discussões, como a gravidez na adolescência e a compreensão do ambiente social que ajuda a formar esses adolescentes. O que em outro contexto causa problema em algumas famílias e preocupação por conta da falta de maturidade dessas garotas, a interrupção de uma perspectiva de futuro, no ambiente de vulnerabilidade social a notícia pode ser recebida de outra maneira.

“No caso das nossas alunas em situação de vulnerabilidade, quando elas engravidam, a gente vê que as mães ficam aliviadas, porque vai ser menos uma boca para sustentar. Porque automaticamente elas vão ser retiradas de casa para morar com o indivíduo que engravidou ou o suposto marido, para criar a criança. E aí a gente vê nas mães responsabilizando sempre elas, sempre as meninas são erradas. Então, é essa condição de vulnerabilidade que nos assusta e que faz a gente parar para pensar esse indivíduo na escola de maneira integral”, pontua.

A educadora defende a necessidade de ações mais concretas com relação à educação sexual, adequando as teorias e práticas à realidade dos alunos. A rede pública municipal de Camaçari conta com o programa Saúde na Escola.

“Existe um vácuo muito grande na questão do fazer e fazer assim, fazer naquilo que elas precisam de verdade. Porque, não adianta eu vir falar de gravidez na adolescência para minha aluna com filho no colo. Não adianta vir falar de método contraceptivo com minha aluna com a barriga grande, que já vai parir daqui a alguns meses e que a gente está fazendo chá de fraldas para ajudar. Então, é agir naquilo que elas precisam de fato. Eu ficaria muito contente, muito realizada, se eu visse dentro do programa Saúde na Escola, dentro dessa política pública, uma ação de todo mês [fazer] a entrega de um kit básico de higiene, mesmo que não fosse para 100% das alunas, mas que fosse para a maioria que tem necessidade, que a escola apontasse”, opina.

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NM

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