Primeira indústria automotiva instalada em um estado do Nordeste, a unidade da Ford em Camaçari (região metropolitana de Salvador), foi alvo de uma disputa de disputa entre estados brasileiros nos anos 1990 e tornou-se um dos principais símbolos da política de guerra fiscal no Brasil. Inaugurada em outubro de 2001, a fábrica da Bahia completaria 20 anos em atividade em outubro.
Neste período, beneficiou-se de sucessivas prorrogações de incentivos fiscais concedidos pelos governos federal, estadual e municipal. Por outro lado, tornou-se um marco na diversificação da indústria na região, tradicionalmente voltada fabricação de matérias-primas –caso das indústrias do Polo Petroquímico de Camaçari– ou produtos de baixo valor agregado.
Inicialmente previsto para ser instalado no Rio Grande do Sul, o projeto da nova fábrica da Ford foi suspenso em abril de 1999, quando o governador Olívio Dutra (PT) rompeu o contrato que havia assinado com a montadora no ano anterior. Segundo o contrato, o governo gaúcho teria que repassar à Ford R$ 418 milhões (em valores da época) para capital de giro e obras de infraestrutura, além da concessão de incentivos fiscais.
Na época, o então governador Olívio Dutra (PT) considerou o contrato “lesivo aos cofres públicos”. A partir do rompimento do contrato, a Bahia passou a atuar para atrair a fábrica, em um movimento capitaneado pelo então governador César Borges e pelo então senador Antonio Carlos Magalhães, ambos do PFL.
Além da estratégia agressiva de incentivos fiscais, o governo baiano apostou em uma guerra midiática para conquistar a fábrica. Logo após saber que o governo gaúcho queria fazer uma revisão no contrato com a montadora, o governo baiano publicou um anúncio conclamando a Ford e a GM para instalar suas fábricas no Estado.
Em abril de 1999, o governo baiano publicou nos principais jornais do país com um que anúncio dizia o seguinte: “GM e Ford, venham para a Bahia. Aqui, a gente honra os compromissos e está sempre andando na frente”.
A decisão da Ford pela Bahia veio em junho de 1999. Para isso, contudo, não bastou o estado aceitar o pacote de incentivos fiscais previsto e oferecer um terreno a preço simbólico. O governo federal, pressionado pelos então aliados do PFL da Bahia, teve que alterar a lei que estabeleceu o regime automotivo para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, reabrindo do prazo de inscrição no regime até 31 de dezembro daquele ano.
A pressão dos baianos acabou acirrando os atritos entre ACM e o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Os dois acabariam rompendo em fevereiro de 2001 — o presidente foi representado pelo vice Marco Maciel, então no PFL, na inauguração da fábrica.
Com a manobra no Congresso, a Ford conseguiu beneficiar-se do regime especial de tributação que previa reduções de até 100% no Imposto de Importação, além de isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) na aquisição de bens de capital e do Imposto de Renda sobre o lucro.
“Havia uma disputa inter-regional e uma resistência em conceder incentivos para que a fábrica viesse para o Nordeste. Mas conseguimos contornar e mostramos que a vinda da Ford para a Bahia era perfeitamente viável”, lembra o ex-governador Paulo Souto (DEM) e senador pela Bahia na época. Governador da Bahia entre 1999 e 2002, César Borges (sem partido) afirma que a vinda da Ford foi um marco para economia da região. “Foi uma política acertada. Além aumentar o PIB (Produto Interno Bruto) do estado e gerar empregos, formamos mão de obra em alto nível”.
A fábrica da Ford na Bahia foi inaugurada em outubro de 2001, com investimento de US$ 1,2 bilhão, em valores da época. Ao longo dos anos, foi consolidando a formação de um completo automotivo com dezenas de indústrias de autopeças no seu entorno. O Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari estima que fábrica gere 12 mil empregos diretos, sendo 5 mil diretamente da Ford e 7 mil nas sistemistas. Os empregos indiretos são estimados em 60 mil. A Ford afirma que cerca de 5.000 empregos no Brasil e na Argentina serão afetados, sem detalhar.
A atração da fábrica, a criação de postos de trabalho e os incentivos fiscais concedidos por anos serviram de combustível para a disputa política na Bahia.
A instalação do complexo automotivo foi um dos principais trunfos para o grupo do então senador ACM em campanhas políticas. Crítico nos incentivos à montadora durante o governo FHC, o PT esteve na linha de frente da negociação que resultou na prorrogação dos incentivos fiscais à Ford em 2011. O adiamento dos incentivos foi anunciado em 2009 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em cerimônia em Camaçari.