O piloto do barco que naufragou em Madre de Deus no último domingo (21) segue sem se apresentar na 17ª Delegacia Territorial. De acordo com o advogado de defesa Elder Costa, o homem, identificado como Fábio Freitas, está medicado e em estado de choque por conta das emoções dos últimos dias, ainda sem condições de depor.
“Ele está abalado emocionalmente, perdeu uma filha e um neto. Nós [advogados] estamos aqui para ter acesso aos autos do inquérito e saber o que foi dito, porque está havendo uma guerra de narrativas. Quando for oportuno, conforme acordado com a autoridade policial, iremos apresentá-lo”, afirma Costa.
Foi Freitas quem reconheceu os corpos de seus familiares no Instituto Médico Legal (IML) na última segunda-feira. Ele não compareceu ao enterro dos dois, pois, segundo o advogado, estava sofrendo e com medo. O advogado afirma que Fábio Freitas foi constrangido a seguir com a embarcação lotada e que, agora, o sentimento é de impotência e culpa.
Ao CORREIO, Costa confirmou que seu cliente não tinha licença para conduzir a embarcação e relatou a versão do piloto do que aconteceu na noite de domingo. Segundo Freitas, dono do Gostosão FF, o barco é utilizado apenas a passeio, sem fins lucrativos. Ele garantiu que apenas seis pessoas, da própria família, foram para Maria Guarda e só essas voltariam no barco. Afirma, ainda, que a embarcação tem capacidade máxima de 14 pessoas – 13 passageiros e um tripulante – e não 11.
“A filha ficou no evento e ele foi para um outro lugar. À noite, voltou para buscar a filha. Quando chegou, deu carona a mais três pessoas, portanto, tinha nove. O que acontece é que algumas outras pessoas que estavam no local viram a cena e se sentiram no direito de entrar também. Elas estavam em situação de desespero, porque queriam vir para casa e não tinha mais embarcação. Elas entraram e exigiram que ele as levasse”, diz.
De acordo com o advogado, o conflito que ocasionou o naufrágio foi causado pelas pessoas que não foram convidadas pelo dono do barco. O conflito na embarcação teria sido uma continuidade do que ocorreu no píer. Questionado sobre o motivo, ele disse ainda não ter certeza, mas que membros da família do condutor podem ter se incomodado com a presença dos intrusos no barco.
O advogado disse, ainda, que os “intrusos” tentaram oferecer dinheiro, mas Freitas negou e disse que não tinha autorização para cobrar pelos trajetos. Perguntado sobre Rosimeire Maria Souza ter contratado a embarcação para ela e a família, como afirmaram parentes da vítima, Costa disse que não é verdade e repetiu que o dono do barco usa a navegação apenas para fins pessoais.
“Ele não tinha nenhum negócio com Rosimeire. Ele tinha compromisso com a família dele e com as três pessoas que deixou embarcar. Mas, acordo financeiro, não tinha com ninguém”, afirma.
O advogado disse que muitas dessas pessoas estavam envolvidas na briga que aconteceu no píer e foi registrada em vídeos. De acordo com ele, não havia nenhum policial perto a quem o cliente pudesse recorrer com a confusão das pessoas entrando no barco. Mesmo assim, o dono afirmou que havia no máximo 15 pessoas na embarcação, uma vez que, segundo ele, todas as pessoas estavam sentadas, nenhuma em pé.
Elder Costa afirma que o cliente chegou a prestar socorro e fazer o possível para salvar passageiros após o naufrágio, mas, ao chegar em terra firme, ouviu comentários que descreveu como ‘maliciosos e perversos’, com pessoas perguntando por que não foi ele quem morreu e culpando-o pela tragédia. Com isso, ele saiu do local, mas entregou a documentação do barco e seu próprio celular.
“Tem o endereço, advogado constituído, então não foi uma fuga. Ele não está foragido, não tem mandado de prisão nenhum contra ele, não está sendo perseguido pela polícia. Se estivesse sendo perseguido pela polícia, assim que pisasse aqui, ele poderia ser preso em flagrante. O delegado não está, em momento algum, dizendo que persegue meu cliente, só quer que ele apresente a própria versão. Freitas também quer vir, a gente só vai combinar o melhor momento”, diz.
O advogado atribui a responsabilidade do acidente à falta de estrutura do evento, dizendo que não havia embarcações disponíveis para essas pessoas voltarem para casa, o que fez com que, no desespero, elas recorressem ao barco do seu cliente.
“Foi uma sequência de omissões que causou uma falta de estrutura e ocasionou isso aí. A gente observa a ausência de fiscalização marítima, policiamento e um planejamento da prefeitura para colocar um esquema de embarcação para levar e trazer as pessoas de maneira digna, segura e tranquila. O que aconteceu, infelizmente, é efeito colateral dessa desorganização”, defende.
Quem é o piloto?
Jardineiro, Fábio é natural de Madre de Deus, onde se casou e teve quatro filhos. Na região, também costuma pescar e fazer trabalhos como freelancer, de acordo com um membro da família que preferiu não se identificar.
“É muito doloroso. Ele está sofrendo muito sem poder estar perto da filha e do neto agora, com tudo isso acontecendo. Não pode viver o luto. Todos aqui sabem que ele não é uma pessoa de briga, é um homem trabalhador e de bem”, diz.
Mesmo não habilitado para conduzir esse tipo de embarcação, ele navega há mais de 30 anos e, segundo seu advogado, não tem histórico de notificações e nem de multas por transporte clandestino ou por ausência de habilitação.
Correio da Bahia