Por Paul Ricard | AFP
As crianças são grandes transmissoras da covid-19? A ciência ainda não tem uma resposta categórica para essa questão, que é muito debatida por ser crucial para a abertura, ou para o fechamento, das escolas.
No início da pandemia, temia-se que fossem vetores importantes da covid, por analogia com outras doenças virais como a gripe. Depois, a ideia oposta se instalou, com estudos sugerindo que não eram muito contagiosas.
Mas, “se olharmos os dados da literatura (científica), não fica tão claro”, disse à AFP o epidemiologista Dominique Costagliola.
Muitos estudos, segundo os quais as crianças contaminam pouco seus entes queridos, “têm sido realizados durante os períodos de confinamento” e, portanto, de pouca circulação do vírus, o que pode distorcer seus resultados, estimou a epidemiologista Zoë Hyde em artigo publicado no final de outubro pelo Medical Journal of Australia.
E, recentemente, vários estudos realizados nos Estados Unidos, Índia e Coreia do Sul desafiaram a ideia de que as crianças não são muito contagiosas.
O mais recente foi publicado em 30 de outubro pelos Centros de Prevenção e Controle dos EUA (CDC). Realizado de abril a setembro em 300 pessoas, conclui que “a transmissão do SARS-CoV-2” dentro de uma casa “era frequente, seja por crianças, seja por adultos”.
Divulgados na terça-feira, trabalhos de grande escala no Reino Unido mostram, no entanto, um quadro muito diferente.
Resultados contraditórios
Com base em dados de 9 milhões de adultos, pesquisadores da London School of Hygiene and Tropical Medicine e da Universidade de Oxford estimam que “viver com crianças de 0 a 11 anos não está associado a um risco aumentado de infecção pelo SARS-CoV-2”. Este risco aumenta ligeiramente quando se vive com uma criança de 12 a 18 anos.
Portanto, é difícil navegar neste emaranhado de observações contraditórias.
As crianças “podem transmitir (a covid-19) para outras pessoas. No entanto, parece acontecer com menos frequência do que a transmissão entre adultos”, resume a especialista da Organização Mundial da Saúde (OMS), Maria Van Kerkhove, em vídeo dedicado a esta questão no site da organização.
Esta epidemiologista enfatiza que é necessário diferenciar “crianças pequenas” de “adolescentes, que parecem transmitir nas mesmas proporções que os adultos”.
“Quando apresentam sintomas, as crianças excretam a mesma quantidade do vírus que os adultos e são tão contaminantes quanto eles. Não sabemos como crianças assintomáticas podem infectar outras pessoas”, disse o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC) em agosto.
A ausência de sintomas é comum em crianças infectadas com covid-19. E a única certeza que temos é que elas sofrem formas muito menos graves do que os adultos.
A questão da contagiosidade tem sido alvo de acalorados debates, porque é decisiva para a abertura, ou para o fechamento, de escolas.
Uma medida que, por si só, tem graves repercussões sociais e econômicas.
“Todos têm consciência da importância da escola para as crianças, não apenas no nível da educação, mas também do bem-estar, da saúde mental, ou da segurança, sem falar que às vezes é a único lugar onde elas têm o que comer”, lembra Maria Van Kerkhove.
Efeito de lupa
Afetados neste outono boreal (primavera no Brasil) por uma segunda onda da epidemia, vários países europeus tiveram de se reconfinar, mas deixaram as escolas abertas. É o caso de França, Áustria, ou Irlanda.
“O risco ligado às escolas não é zero, ninguém pode dizer isso, mas a participação da transmissão dentro das escolas em relação à transmissão no restante da comunidade é baixa”, avalia Daniel Lévy-Bruhl, da agência de saúde pública francesa.
Este especialista alerta para o efeito de lupa: “O número de escolas abertas em todo mundo é extraordinariamente grande. Na maioria, não está acontecendo muita coisa”.
Fala-se muito, porém, sobre “as poucas escolas onde realmente ocorreram fenômenos epidêmicos – alguns deles explicados por condições favoráveis à transmissão do vírus -, o que dá uma impressão um tanto enviesada do risco associado às escolas”, continua.
Diante da hipótese de um contagiosidade infantil mais forte do que se pensava, o governo francês acaba de impor a máscara aos alunos a partir dos 6 anos, contra 11 anteriormente. Uma decisão que deve vir acompanhada de um protocolo de saúde fortalecido, segundo muitos especialistas.
“Mesmo sendo menos contagiosas do que as de 14 anos e adultos, as crianças têm muito contato com seus colegas e com os adultos. E como são muitas, com muito contato, podem fazer muitos casos de contaminação”, observa Dominique Costagliola.
Além disso, os especialistas destacam que o risco vinculado à escola depende da situação epidêmica local: “É muito importante entender que as escolas não funcionam isoladas, elas fazem parte de uma comunidade”, enfatiza Maria Van Kerkhove.